Começar a vida de empreendedor com um negócio já estabelecido pode ser meio caminho andado. Mas é preciso estar atento às armadilhas ocultas na transação. Saiba como se precaver antes de assinar o contrato.
O ingresso no universo do empreendedorismo por meio da compra de uma empresa já em funcionamento, com nome no mercado e carteira de clientes, pode ser uma alternativa interessante para quem deseja abandonar a rotina de funcionário sem precisar passar pela fase de levantar um negócio do zero. Mas todo cuidado é pouco: assim como na compra de um carro usado, surpresas desagradáveis podem ocorrer durante a aquisição de uma empresa. “Lidar com alguns problemas na hora da compra é normal. O que não pode acontecer é aquela empresa se transformar em uma herança maldita”, diz Bruno Lewicki, coordenador do curso de Direito do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) do Rio de Janeiro. Conheça a seguir as três etapas necessárias para efetuar uma compra segura.
A primeira pergunta a fazer é: tenho o capital necessário para uma investida desse porte? Se a resposta for afirmativa, o futuro empresário terá de avaliar se a aquisição é condizente com sua experiência no mercado; se seus conhecimentos no segmento escolhido são suficientes; e o que pode acrescentar ao negócio já existente.
O passo seguinte é tomar contato com o estabelecimento. “É uma fase de namoro, em que o comprador procura conhecer a empresa nos seus aspectos legais e financeiros, saber sua situação no mercado e descobrir se o valor cobrado é justo”, explica Lewicki. O processo independe do tamanho do negócio e é o mesmo para compras feitas por pessoas físicas e jurídicas. O ideal é que o potencial vendedor ofereça informações gerais sobre o negócio (produção, vendas, atuação, riscos inerentes) e demonstrações financeiras que cubram pelo menos dois anos da história da empresa. Não é incomum que esses dados sejam fornecidos mediante assinatura de um contrato de confidencialidade.
Mais adiante será preciso investigar as informações contábeis, fiscais e jurídicas do empreendimento. “Muitas vezes, o negócio parece interessante, mas o comprador descobre que a empresa tem esqueletos no armário. Isso pode levá-lo à falência no futuro”, adverte Antonio Morello, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados. Se quem quer vender o negócio é o proprietário, convém levantar suas razões. É praxe, nessa etapa, a assinatura de um contrato de exclusividade que garanta ao interessado o tempo necessário para analisar todos os aspectos do negócio, sem correr o risco de perdê-lo para um concorrente.
Quando soube que uma pequena empresa de reforma de pneus estava à venda na cidade catarinense de São Carlos, o empresário Celso Maldaner estudou o negócio, checou todas as informações e decidiu comprar. O ano era 1990, e ali nascia a FM Pneus, hoje uma recapadora com cinco unidades em cinco estados e mais de 250 funcionários. “Digo que comecei com vantagens, como equipamentos e mão de obra especializada. De quebra, eliminei um concorrente”, diz Maldaner.
Antes de fechar o negócio, é recomendável recorrer à ajuda de advogados especializados em fusões e aquisições e de um auditor independente. O papel deles será efetuar a due diligence (ou diligência), um processo semelhante ao que as empresas se submetem antes de abrir capital. O “pente fino” fornece um entendimento profundo da empresa (mais informações no quadro ao lado), verificando, por exemplo, se há atraso nos impostos, dívidas trabalhistas ou débitos com os fornecedores.
Uma dica vital é conhecer o negócio in loco. Se julgar necessário, passe um mês na empresa antes de comprar e troque informações com funcionários, fornecedores e clientes. Claudio Coscarelli, de São Paulo, levou meses para se decidir pela aquisição da pizzaria Via Parma, em 2010. Antes de bater o martelo, procurou saber as razões da venda (inexperiência administrativa), projetou melhorias e fez um plano de negócio. Mais importante, sanou pendências. “Descobri que a empresa era informal e tive de regularizar”, conta.
Uma das principais funções da diligência é fornecer poder de barganha para as duas partes durante a negociação. Se o comprador “herdar” problemas a serem resolvidos, pode usar isso como argumento para abaixar o preço. “Uma empresa com passado ruim não precisa necessariamente ser descartada. O negócio pode funcionar, desde que os problemas sejam detectados e resolvidos antes da compra”, diz Lewicki. Alguns itens contratuais permitem reduzir o risco de problemas futuros. “O empresário pode negociar, por exemplo, que o vendedor pague indenização se passivos ocultos se revelarem no futuro”, explica Morello, do escritório Pinheiro Neto.
Outro ponto a ser negociado é uma cláusula de não concorrência nos cinco anos subsequentes à transferência de controle, amparada pelo Artigo 1.147 do Código Civil. Apesar de estar se desfazendo do negócio, o antigo proprietário conhece a agenda de clientes, tem conhecimento do setor e know-how sobre aquele tipo de negócio. “Essa cláusula precisa estipular um limite de tempo e um território de exclusão”, informa Lewicki. O não cumprimento implica pagamento de multas.
Terminada a diligência e acordado o preço, chega o “dia de fechamento”, em que se oficializa a troca de controle da empresa. “É muito comum negociar um período de transição, em que o vendedor permanece como administrador ou conselheiro, enquanto o comprador aprende o dia a dia do negócio”, diz Morello.